A Filosofia de René Descartes

 

A Filosofia de René Descartes: fundador do racionalismo e da filosofia moderna

 

Índice

1 A Filosofia de René Descartes: fundador do racionalismo e da filosofia moderna

2 Descartes e o Método: os fundamentos da ciência cartesiana

3 A Metafísica de Descartes

4 A Ciência Cartesiana

5 Moralidade e Sabedoria em Descartes

 

1 A Filosofia de René Descartes: fundador do racionalismo e da filosofia moderna:

René Descartes fundou a filosofia moderna, ou a filosofia racionalista, que levará à descoberta do cogito, isto é, da consciência reflexiva.

Descartes fundou o racionalismo moderno. Para isso, contou com as forças da razão e da evidência, de modo a alcançar a verdade de maneira segura, sendo o objetivo do conhecimento “fazer de nós senhores e possuidores da natureza” (o que alguns verão como o início da era da técnica, dominadora e desdenhosa do planeta: o próprio Heidegger verá em Descartes a conclusão da filosofia da técnica).

2 Descartes e o Método: os fundamentos da ciência cartesiana:

Devemos à Descartes um método baseado na razão. A seguinte questão está na origem desse método: como, de fato, acessar a verdade?

A questão era crucial no século XVII porque se a ciência por seu lado se desenvolvia por meio de descobertas, a filosofia escolástica, então dominante, não conseguia satisfazer os espíritos. Concedia, de fato, demasiada importância ao princípio da autoridade e não identificava um método verdadeiramente racional.

Descartes operará uma revolução filosófica a partir do senso comum/razão:

– A razão, a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, é compartilhada por todos (o que se chama de universalismo cartesiano).

– É esse “senso comum”, a coisa mais compartilhada do mundo (às vezes chamada por Descartes de luz natural), que deve ser usada criteriosamente, desenvolvendo um método, um caminho, uma estrada que permita chegar à verdade.

O método racional consistirá, nestas condições, num conjunto de regras, cuja aplicação conduz, com certeza, ao resultado.

Para descobrir a verdade, deixemos o acaso de lado e procedamos apenas de maneira metódica. Se essa abordagem pode nos parecer evidente, ela constitui um elemento novo na época de Descartes, mas, também importante e decisivo:

– Todo o método consistirá em seguir uma ordem, isto é, em trazer de volta as proposições obscuras às mais simples e depois em nos elevarmos, gradualmente, das mais simples às mais complexas, baseando-nos sempre na intuição e na dedução.

– A intuição, visão ou olhar preciso e inconfundível – concepção de uma mente pura e atenta, conhecimento direto ou imediato – permite aceitar uma coisa como verdadeira, apreender uma ideia em sua clareza e distinção, que representam, para Descartes, os verdadeiros critérios da verdade.

► É clara uma ideia (um conteúdo espiritual, qualquer objeto de pensamento como pensamento) presente e manifesta a uma mente atenta.

► A ideia distinta, aparece como aquela que é absolutamente precisa e diferente de todas as outras.

Assim, a abordagem de Descartes parte do óbvio, ou seja, do caráter daquilo que imediatamente se impõe à mente e leva ao seu assentimento.

Além da intuição, a dedução racional é necessária:

– É uma operação discursiva assumindo um caminho, uma demonstração, uma sequência lógica, ou qualquer coisa que implique uma sucessão.

– A intuição é uma só peça, enquanto a dedução representa um movimento ordenado, indo de proposições em proposições; um elo estabelecido entre verdades intuitivas.

O método de Descartes, baseado na intuição racional e na dedução, não seria nada sem dúvida:

– A dúvida cartesiana não é cética, mas metódica. Necessário para varrer as falsas opiniões e chegar ao óbvio, consiste em suspender temporariamente tudo o que não é certo.

– Ao contrário dos céticos, que duvidam apenas por duvidar, Descartes duvida para chegar à verdade e construir uma certa ciência.

– A sua dúvida é uma ferramenta de trabalho, é voluntária e hiperbólica, ou seja, desmedida e levada ao extremo.

– Descartes, considerando como absolutamente falso o que é apenas duvidoso, faz aqui a hipótese de um gênio do mal, um deus perverso ou mau que poderia nos enganar permanentemente – hipótese metodológica destinada a universalizar a dúvida.

3 A Metafísica de Descartes: 

a) O cogito, Deus, ideias inatas

► O cogito:

Dentro da dúvida, Descartes encontra uma primeira certeza, o cogito (“eu penso” em latim). O cogito representa a autoconsciência do sujeito pensante.

Com efeito, por mais universal que seja a dúvida, visto que incide sobre a totalidade do conhecimento, há algo que ela não pode atingir: é a sua própria condição, pois duvidando, penso e, pensando, sou.

No Discurso do Método, o cogito parece enunciado dedutivamente (cogito, ergo sum). Mas esta proposição é, na realidade, fruto de uma indução direta: a primeira verdade que se apresenta intuitivamente à mente quando esta duvida.

– Mas o que sou eu; eu quem sou? Eu sou essencialmente pensado. Este último designando tudo o que se faz em nós de tal maneira que imediatamente o percebemos por nós mesmos.

– Assim a atividade da mente e da consciência me caracterizam: a consciência é a essência do pensamento.

► Deus:

A segunda verdade descoberta por Descartes é de ordem metafísica e diz respeito à existência de Deus. Ele demonstra essa existência de várias maneiras.

– A prova especificamente cartesiana é a prova pela ideia de perfeito. Entre as ideias que estão em mim está a ideia de Deus, a ideia de um ser soberano, todo-poderoso, eterno, infinito (ideia de perfeição e infinito).

– Ora, como essa ideia do perfeito poderia proceder de um ser imperfeito? Na realidade, devo admitir a existência de um ser contendo em si tanta perfeição quanto a ideia representa, isto é, Deus.

– Então Deus existe.

É preciso entender por Deus, a substância sumamente perfeita, e na qual nada concebemos que contenha algum defeito, ou limitação de perfeição.

– Esse ser perfeito só pode ser verdadeiro: ele me garante, de fato, que as ideias que concebo como claras e distintas são verdadeiras.

– A “veracidade divina” decorre da própria natureza de Deus, que não pode me enganar, pois ele é perfeito.

A ideia de Deus é uma das ideias inatas.

► Ideias inatas:

São aqueles que não vêm através dos sentidos e da experiência. São naturalmente verdadeiras e imutáveis, constituindo o tesouro de minha mente.

Existem três tipos de ideias (uma ideia é tudo o que está em nossa mente quando concebemos uma coisa):

– Aquelas que nasceram comigo (ideias inatas);

– Aquelas que vêm de fora (são ideias sensíveis, como a ideia de uma coisa externa, a terra, o céu, etc.);

– Aquelas que são feitas e inventadas por mim (são ideias artificiais, como a ideia de uma quimera);

b) Dinamismo espiritual e liberdade humana

Em sua busca metafísica, Descartes aprofunda a essência do dinamismo espiritual do homem: ele sublinha a superioridade do entendimento (a faculdade pela qual percebemos as ideias) sobre a imaginação (o poder de representar as coisas de maneira sensível).

A imaginação não é necessária para a essência da minha mente e requer um esforço especial. O trabalho do entendimento é muito mais simples.

– Por exemplo, imaginar um polígono com mil lados é extremamente difícil, ao contrário de projetá-lo.

– “Preciso de uma contenção mental particular para imaginar, que não uso para conceber”.

Esta explicação do dinamismo espiritual do homem é inseparável de uma meditação sobre a liberdade.

Descartes considera a liberdade da indiferença (estado em que se encontra a vontade quando não é levada, pelo conhecimento do que é verdadeiro ou então, a seguir uma parte em detrimento de outra) como o grau mais baixo de liberdade.

– A verdadeira liberdade excluída da indiferença. Caracteriza-se pela ausência de constrangimento externo.

– Designa uma escolha informada pelo conhecimento da verdade.

É esta liberdade humana que nos permite compreender o mecanismo do erro, que surge da desproporção entre a minha vontade, um entendimento necessariamente finito e limitado. O erro ocorre quando minha vontade (infinita) concorda com uma ideia (confusa) de meu entendimento (poder de afirmar ou negar, sem limite algum), que é finito.

4 A Ciência Cartesiana:

Aos olhos de Descartes (e de sua época), a filosofia abrange a ciência e o estudo de toda a natureza.

Numa célebre definição, Descartes afirma, de fato, que a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica e, portanto, o tronco é a física. Os ramos que saem do tronco representam todas as outras ciências.

– Física, a ciência da natureza é mecanicista porque todos os objetos da natureza estão sujeitos às leis de extensão e movimento.

– A matéria, por sua vez, se resume aos olhos de Descartes, à extensão geométrica e não a um conjunto de qualidades sensíveis (ela não é, em sua essência, uma coisa dura, pesada, colorida…).

– Matéria significa uma substância estendida em comprimento, largura e profundidade.

– Agora é o espaço geométrico e matemático que parece constituir a matéria.

– O corpo vivo também vem de uma explicação mecanicista: é uma máquina que devemos entender segundo um modelo mecânico.

– Quanto ao animal, não passa de um puro mecanismo corporal, desprovido de sensibilidade, pensamento e linguagem, um autômato arranjado por Deus.

– Esta é a tese do animal-máquina. Essa expressão designa o animal e o corpo animal, na medida em que são concebidos como máquinas, simples mecanismos materiais, autômatos produzidos pela natureza.

5 Moralidade e Sabedoria em Descartes:

Se a filosofia inclui a ciência, também designa o estudo da sabedoria. Representa, no contexto cartesiano, um conhecimento perfeito de todas as coisas que o homem pode conhecer.

Note-se que esse ideal, difícil de alcançar e realizar, inseparável de uma árdua tarefa intelectual, deixa o campo aberto para o que Descartes chama de uma moral provisória, mais fácil de construir do que a moral definitiva.

– É um conjunto de regras provisórias de vida, destinadas a organizar a existência, enquanto se espera uma moral fundada na razão.

Uma moral provisória significa algo imediatamente utilizável.

– Esta moral é de inspiração estoica: trata-se de mudar os próprios desejos e não a ordem do mundo, de tentar superar a si mesmo do que a fortuna.

Se Descartes não construiu sua moral definitiva, não obstante (em “As paixões da alma”) nos deu indicações importantíssimas para a compreensão dos mecanismos da paixão.

– Essa compreensão pode levar a um domínio completo das paixões.

– Então, o que é uma paixão na terminologia cartesiana? É um fenômeno causado na alma pela ação do corpo e resultante dessa ação.

– As paixões representam para Descartes, todos os fenômenos afetivos: amor, ódio, ambição, desejo, emoções, etc.

– Descartes também estuda a fisiologia das paixões, representações ligadas aos movimentos dos espíritos animais, elementos sutis que circulam pelo corpo e garantem uma função de intermediários entre a alma e o corpo.

Assim, por seu método, por sua abordagem científica, por seu mecanismo, mas, também por sua psicofisiologia das paixões, Descartes fundou a modernidade: ele é o herói da reflexão moderna.

Obras de Descartes:

– Regras para as Direções do Espírito, (1628)

– Discurso sobre o Método, Prefácio de Dióptrica, Meteoros e Geometria (1637)

– Meditação sobre a Filosofia Primeira (1641)

– Princípios de Filosofia (1644)

– As Paixões da Alma (1649)

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