O texto de Sartre “O Existencialismo é um Humanismo” é um dos best-sellers da filosofia francesa.
Proferida em 1946 na Sorbonne, dois anos após a publicação de “O Ser e o Nada”, a conferência pretende desfazer os mal-entendidos e as críticas dirigidas a esta obra e ao existencialismo em geral. Esta palestra não é, portanto, realmente um texto teórico. Também por esta razão, este trabalho é acessível e frequentemente estudado nos cursos de filosofia.
Índice
1 Existencialismo: uma filosofia humanista?
2 Críticos do existencialismo sartreano
3 Sartre e a existência
4 Sartre e a liberdade
5 Sartre e a intersubjetividade
6 Conclusão da obra O existencialismo é um humanismo
1 Existencialismo: uma filosofia humanista?
A tese da conferência pode ser resumida em uma frase: a filosofia existencialista é uma filosofia humanista, que coloca a liberdade humana acima de tudo. Ou, como Sartre coloca em termos filosóficos: “a existência precede a essência”.
O humanismo é classicamente definido como uma doutrina que defende o valor da pessoa humana e busca alcançar seu desenvolvimento. Sartre procura, portanto, provar a compatibilidade do existencialismo com essa definição.
Aqui está um resumo seguido de um comentário sobre o existencialismo de Sartre é um humanismo.
2 Críticos do existencialismo sartreano:
Críticos marxistas:
Para os marxistas, o existencialismo é uma filosofia de impotência, inativa. Uma filosofia burguesa e contemplativa. Mas também uma filosofia individualista. No entanto, para Sartre, sua filosofia é baseada na ação livre e não pode ser reduzida à contemplação própria das filosofias teóricas. O sujeito sartreano se faz, ele é, portanto, inteiramente ação. Sartre também critica o espírito de seriedade (que consiste em contemplar e esperar que o destino humano seja inscrito no “Céu das Ideias”). A censura marxista é, portanto, posta de lado.
Sobre a reprovação individualista, Sartre terá mais dificuldade em replicar. Ele só o fará mais adiante, na Crítica da Razão Dialética, que tentará conciliar a lógica coletiva e a abordagem centrada no indivíduo (noção de práxis). Basicamente, podemos dar razão aos críticos marxistas: o existencialismo é de fato um individualismo.
Críticos católicos:
Para os filósofos católicos, a ausência de Deus tira toda a esperança do homem e o condena a viver de forma absurda. Porém, se Sartre assume o ateísmo de seu pensamento, não admite que sua filosofia seja niilista (ausência de valores). Para ele, o homem é o criador de seus próprios valores.
Para Sartre, a ideia de um existencialismo cristão (Jaspers, Kierkegaard, Pascal) é incoerente: se Deus existe, então a existência do homem não é mais contingente (existência que pode não ter existido), torna-se necessária, pois a essência, portanto, precede existência. O ateísmo de Sartre é uma exigência para ir até o fim da solidão do homem e de sua total responsabilidade.
3 Sartre e a existência:
Sartre inverte a perspectiva clássica desde Platão, que defende uma abordagem essencialista: a essência precede a existência, portanto, a filosofia deve aos gregos e seus sucessores o estudo do Ser. Assim, na República de Platão, a existência é apenas um modo secundário derivado do Ser.
Ek sistere (existir), em Sartre, significa projetar-se fora de si. O homem existe porque não é nada definido, ele se torna o que decidiu ser. O homem cria sua existência escolhendo a si mesmo. A própria noção de “natureza humana” é absurda, pois dá ao homem uma essência da qual o homem não pode se desvencilhar (só os objetos têm uma natureza, uma função determinada, como o exemplo do papel usado por Sartre na palestra). Os teóricos da natureza fazem do homem um exemplar, um homem médio, esquecendo assim, segundo Sartre, que o sentido do homem é criar algo novo, modificar a figura do mundo.
4 Sartre e a liberdade:
“O homem está condenado a ser livre”.
Se a liberdade humana é absoluta, o sujeito está não engajado em uma dada situação (facticidade = fato de ser assim). Mas, é o homem que dá sentido à situação. Assim, uma situação não é insuportável em si mesma, ela se torna insuportável porque um projeto de revolta lhe deu esse sentido. “Nunca fomos tão livres como na ocupação”. Uma situação trágica torna a ação ainda mais urgente. O mundo é apenas o espelho da minha liberdade.
A liberdade é vista por Sartre como um poder de nadificação, como uma superação do dado (o homem é um “para si”). Aniquilar significa criar possibilidades dentro do mundo como ele é, congelado, é introduzir nele a liberdade.
“Ser condenado a ser livre significa que não se pode encontrar nenhum limite para minha liberdade além de si mesmo”.
Não escolher ainda é escolher (optar por não escolher). O único limite à minha liberdade é a minha morte, que transforma a minha existência em essência, em ser, em destino. Morrer é não existir mais.
O homem, porém, acha difícil essa situação de total liberdade. Assim, ele inventa subterfúgios, em particular a má-fé. A má-fé consiste em fingir acreditar que não é livre, é sonhar alguma coisa, fluindo para o mundo como uma coisa. A consciência, diz-nos Sartre, procura sempre coincidir consigo mesma, encher-se de ser, fazer-se “em-si”.
O homem faz da facticidade sua desculpa para se fazer em si mesmo. Sartre distingue 6 modos de facticidade, ou seja, de determinações que pesam sobre o homem:
- O fato de ter nascido em uma determinada sociedade e época;
- Ter um corpo;
- Tendo um passado;
- O fato de existir em um mundo que nos pré-existe;
- O fato de existir entre outros sujeitos (questão da intersubjetividade);
- O fato de morrer (finitude).
Para Sartre, devemos assumir nossa contingência.
5 Sartre e a intersubjetividade:
A relação das consciências em Sartre é apresentada no modo do conflito, como uma relação de reconhecimento: cada consciência exige da outra ser reconhecida como consciência, como livre. Agora, se reconheço o livre como livre faço dele meu mestre. Os outros tornam-se outros quando a sua vontade, a sua liberdade se opõe à minha (outros, «este eu que não sou eu»). Essa análise da intersubjetividade remonta a Hegel e à luta das consciências.
A análise do olhar é esclarecedora: o olhar dos outros revela-me a sua existência. “Sou visto, logo vejo”. O Para-si é também um Para-outro.
Mas quando olho, fixo o outro em seu ser, faço dele algo olhado, então domino. Por outro lado, se os outros olham para mim, sou objetificado. Eu sou o que os outros veem de mim.
6 Conclusão da obra O existencialismo é um humanismo:
Aqui está a conclusão da palestra proferida por Sartre:
“O homem está constantemente fora de si mesmo, é projetando-se e perdendo-se fora de si mesmo que ele faz o homem existir e, por outro lado, é perseguindo objetivos transcendentes que ele pode existir; o homem sendo esse ir além e apreender os objetos apenas em relação a esse ir além, está no coração, no centro desse ir além. Não há outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade humana. Essa conexão da transcendência, como constitutiva do homem – não no sentido de que Deus é transcendente, mas no sentido de ir além – e da subjetividade, no sentido de que o homem não está encerrado em si mesmo, mas sempre presente em um universo humano, esse é o que chamamos de humanismo existencialista. Humanismo, porque lembramos ao homem que não há outro legislador senão ele mesmo, e que é no abandono que ele decidirá por si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para ele, mas sempre buscando fora de si uma meta que seja tal libertação, tal realização particular, que o homem se realizará precisamente como humano”.
Nossa opinião:
Se o texto “O Existencialismo é um Humanismo” está longe de ser o mais preciso do pensamento de Sartre, ao menos tem o mérito de tornar seu pensamento mais acessível. Dá uma visão geral dos seus principais conceitos (consciência, alteridade, liberdade, responsabilidade, má-fé, etc.). Continuaremos nossa análise capítulo por capítulo sobre esta obra em outros artigos.
Marcos importantes | Jean-Paul Sartre |
Nascimento – Morte | 1905 – 1980 |
Grandes obras | O Ser e o Nada
O existencialismo é um humanismo De portas fechadas Mãos sujas A Náusea Crítica da Razão Dialética Cadernos para uma moral Crítica da Razão Dialética |
Conceitos principais | Liberdade, Angústia, Para-si / Em-si, Nada, Consciência, Náusea |
Influenciado por | Heidegger, Hegel, Husserl, Kierkegaard e Freud |
Inspiração de | Simone de Beauvoir, Camus e Merleau Ponty |