Como escrever um Comentário de Texto Filosófico

Aqui está o nosso guia para elaborar um comentário de texto filosófico voltado, especialmente, à sua preparação para as temidas provas de graduação em Filosofia.

 

Índice
1. Metodologia Detalhada
2. Leia o texto
3. Em rascunho
4. Escrita
5. Conclusão
6. Observações gerais

O comentário ao texto deve ser uma análise fundamentada de um trecho da obra de um filósofo famoso que esteja no programa do curso de Filosofia (Descartes, Kant, Platão ou Nietzsche, por exemplo). Considernado que o comentário pode ser ser uma tarefa durante a graduação em filosofia, é imperativo dominar seu método e a estrutura.

1. Metodologia Detalhada:

Definição: Explicar, do latim explicare, significa antes de tudo desdobrar, achatar, ou seja, transformar um todo complexo, às vezes confuso ou mesmo complicado, em um conjunto de elementos simples que são imediatamente compreensíveis pelo primeiro que chega.

Explicando um texto: você deve fazer o leitor entender o significado do texto, o que significa primeiro mostrar como (de que maneira, ou seja, com que argumentos, que raciocínio e que exemplos) esse texto responde a um problema filosófico e porque ele responde a este problema desta forma e não de outra, o que significa defender a coerência do pensamento do autor. Então você deve discutir a tese do autor, o que significa por um lado mostrar o que o autor diz ser verdadeiro, correto, relevante e por outro lado mostrar o que lhe parece questionável, o que pode ser adiado em questão ou, mesmo o que você acha que é errado. Você deve então separar o trigo do joio. Por isso, critique esse pensamento (avalie o pensamento do autor objetivamente, ou seja, distanciando-se do texto). Compreender e fazer compreender é pensar e aprender a pensar, é pensar a partir de um pensamento cujo valor é reconhecido por uma longa tradição e, sobretudo, aprender a pensar por si próprio. Pensar por si já é filosofar (cf. sapere aude, Kant). É por isso que este exercício é fundamental para a sua formação filosófica.

2. Leia o texto:

1) Comece lendo o texto várias vezes (pelo menos 3 vezes) com atenção.

2) Numere as linhas.

3) Procure os conectores lógicos e sublinhe-os: portanto, ao contrário, por conseguinte, por isso, etc. Isso lhe dirá se o autor dá uma tese, um exemplo, um argumento, uma consequência etc.

4) Identifique as palavras ou expressões que merecem ser explicadas para tornar o texto mais facilmente compreensível para qualquer leitor não familiarizado com conceitos filosóficos.

3. Em rascunho:

1) Identifique o(s) tema(s) do texto: sobre o que é o texto? O que é isso aqui? São noções filosóficas (como política ou ciência, por exemplo), não é necessário ser tão preciso.

2) Identifique a tese do texto: qual é a ideia defendida pelo autor? De onde ele está vindo? Esta tese é autoexplicativa na maioria das vezes e você pode identificá-la em algum lugar do texto. Se a tese estiver implícita, deverá ser formulada com suas próprias palavras, sem trair o pensamento do autor ou interpretá-lo erroneamente.

3) Construa o problema do texto: é a pergunta a que o texto responde, a alternativa que é decidida pela tese do autor. A resposta para o problema é a tese do texto.
Exemplo: Tema: justiça. Tese: Sócrates afirma neste texto que é melhor sofrer a injustiça do que cometê-la. Problema: é melhor obedecer sempre às leis, mesmo que sejam injustas, ou, ao contrário, é melhor desobedecer à lei se for injusta, sob o risco de cometer uma injustiça perante a lei?

4) Localize o plano do texto, ou seja, sua estrutura argumentativa: tese, problema, argumento, consequência da tese, refutação da tese… A tese e os argumentos são passagens obrigatórias que você deve sempre localizar.
Sempre pergunte a si mesmo o que o autor está fazendo e por que ele está fazendo dessa maneira.
Nota: Um texto tem pelo menos 2 partes, geralmente 3, às vezes 4.

5) No rascunho, refaça as etapas da argumentação: tese, argumentação 1, argumentação 2, argumentação 3 etc.…

6) Para cada momento ou parte do texto, prepare os argumentos que lhe permitirão criticar o pensamento do autor. Procure exemplos e contraexemplos, autores cujo pensamento confirme ou pelo contrário refute o do autor. Por fim, escolha o que vai dizer com base no que pensa com base nos exemplos e referências filosóficas que encontrou.

7) Construa o plano detalhado de sua explanação, em folha à parte, cujo plano segue a estrutura lógica do texto que você acabou de identificar: I. Linhas 1 a x: tese do texto. Escreva o que você vai dizer para explicá-lo. II. Linhas x a y: argumento usado para demonstrar a tese etc. Você vai se basear nele ao escrever.

4. Escrita:

A) Introdução
1) “Abecedário”: apresente as duas ideias opostas que darão origem ao problema do texto. Você pode até usar suas referências culturais como mitos antigos para introduzir a reflexão. Atenção, o início é opcional, mas, certifique-se sempre de apresentar o texto que vai comentar assim como o tema filosófico ao qual se refere.

2) Problema: Formule o problema do texto que você reconstituiu da mesma forma que o problema que elaborado. É mesmo/realmente isso ou, pelo contrário, antes isto?

3) Exponha a tese do autor (citando o texto e esclarecendo as linhas se necessário). Você deve ser o mais preciso e exato possível. Você também deve localizar o texto com precisão: cite o título e apresente brevemente o autor se você o conhece e o que sabe dele e de seu pensamento (século, nacionalidade, movimento filosófico dominante) escrevendo apenas o que lhe parece útil bom entendimento do texto.

Exemplo e modelo do início da introdução:
Início: Na abadia de Thélème descrita por Rabelais, não há leis e todos devem agir moralmente para preservar a paz. Mas se um homem mal-intencionado entrasse na abadia, poderia se aproveitar da ausência de leis. Problema: Então, é melhor cometer injustiça esperando que seja proveitosa ou, ao contrário, é melhor sofrer a injustiça do que cometê-la, porque é o único comportamento realmente justo. Apresentação do texto, autor e sua tese: Em nosso texto extraído do Górgias (153a1-170b3 ou I, cap. 6, §9, etc.) tratando principalmente do tema da justiça, o filósofo grego da Antiguidade, Platão, decide a questão em favor da segunda alternativa afirmando que: (E você afirma precisamente a tese).

4) Anuncie as questões que o texto levanta: aqui você apresenta os elementos que vai discutir (= crítica). Estas são as apostas do texto.

5) Anuncie o plano do texto, os grandes momentos, as principais etapas de sua argumentação, com a maior precisão possível, utilizando o vocabulário argumentativo adequado.
Exemplo e modelo do anúncio do plano: “Podemos dividir este texto em três momentos distintos. Primeiro, Linhas 1 a X, Platão afirma a tese de que…, depois Linhas X a Y, ele argumenta mostrando que…, então/ consequentemente/ daí, segue, Linhas Y a Z,… “.

B) Desenvolvimento
Nota: 1) O seu desenvolvimento deve seguir o plano do texto: o seu I corresponde ao primeiro momento do texto, o seu II ao segundo momento, etc…
2) Cada uma das suas partes pode compreender um momento analítico seguido de um momento crítico.

I) Primeiro momento/parte do texto
A) Análise e explicação (obrigatório)

1) Apresente a ideia desenvolvida pelo autor ao longo deste primeiro momento do texto. Você deve então mostrar um espírito de síntese, ou seja, deve ser capaz de reunir em uma única ideia tudo o que o autor procura mostrar nesta parte. É uma questão de proceder frase por frase e às vezes palavra por palavra.

2) Diga qual é a função lógica dessa ideia: tese, problema, argumento, consequência, refutação (os conectores lógicos podem te ajudar nisso).

3) Cite as passagens importantes com precisão (uma citação não deve exceder três linhas em sua página): “…”, (linhas x a y). b) Analise estas passagens e o que elas implicam.

4) Definir palavras e conceitos importantes e conceitos filosóficos.

5) Dê uma razão, explique por que o autor pensa assim e por que ele está certo em fazê-lo.

6) Dê um exemplo relevante.

7) Diga quais são as consequências teóricas que decorrem disso.

B) Crítica (opcional)

Aqui você deve avaliar o pensamento do autor, julgar sua ideia, determinar a relevância de seu argumento. O pensamento do autor está no tribunal da sua razão, cabe a você julgá-lo culpado ou inocente. Para isso você deve se basear nos exemplos e nas referências filosóficas que tenha encontrado (Cf. II. No rascunho, 6.). Ou seja, provas admissíveis para qualquer leitor. Existem dois ou até três tipos de crítica.

1) Crítica negativa: separar o joio do trigo. Deve aparecer pelo menos uma vez em sua explicação porque demonstra sua capacidade de resistir à sedução do raciocínio do autor. Para isso, você deve demonstrar as razões de sua discordância não por uma refutação agressiva e peremptória, mas por contraexemplos e referências filosóficas que contradizem o autor com relevância.

Exemplo: A) Você explica a prova antológica cartesiana da existência de Deus. B) Você critica esta prova apoiando-se na refutação kantiana da Crítica da Razão Pura, e recorda o exemplo dos cem Thalers.

2) A crítica positiva: você fica com a boa semente. Se o pensamento do autor lhe parece tão relevante quanto provável, você pode concordar com o autor encontrando exemplos e referências que o justifiquem. Aqui você tem que defender o autor, mostrar a consistência dele.

3) Crítica construtiva: você cultiva a boa semente para obter uma melhor. Você deve mostrar que, confiando no pensamento do autor, pode entender melhor um problema tão filosófico, que pode tentar respondê-lo da melhor maneira. Implica que você é capaz de acrescentar algo que melhora esse pensamento, o corrige, às vezes o retifica. Trata-se aqui de homenagear o pensamento do autor como precursor.

Atenção: Você não é obrigado em hipótese alguma a fazer uma revisão do pensamento do autor, faça-o somente se você dominar o assunto e achar que tem coisas interessantes a dizer: será valorizado).

Observações:
1) Você precisará fazer isso para cada uma das outras partes do seu desenvolvimento.

2) Você pode dividir suas partes principais em duas, três ou quatro subpartes que correspondem à análise de uma ou mais frases do texto.

3) Você pode ou não escrever introduções e conclusões parciais (para cada parte principal) para introduzir a parte que vai explicar e para recapitular seu progresso na explicação, bem como o que o autor conseguiu demonstrar.

5. Conclusão:

1) Relembre o problema do texto.

2) Mostre de forma sintética como o autor responde a este problema: a tese e sua demonstração. Tente retraçar o pensamento do autor lembrando como ele agiu à medida que o texto avançava; o que ele conseguiu fazer/demonstrar.

3) Relembre os pontos que você discutiu, quais você achou discutíveis e quais você achou relevantes e explique o porquê (opcional).

6. Observações gerais:

1) A explicação deve exigir conhecimentos filosóficos, se você der espaço para críticas (basta aprender o curso para ter algumas).

2) Explicar nunca significa parafrasear. Parafrasear, uma grande falha nas explicações, consiste em simplesmente repetir com outras palavras o que você precisa explicar. Para isso, certifique-se sempre de dizer por que o autor pensa isso, por que ele prova dessa forma e não de outra. É uma questão de dar conta da necessidade interna do texto. Defina palavras importantes, encontre exemplos relevantes que ilustrem o pensamento do autor para evitar paráfrases.

3) As citações do texto devem ser cuidadosamente escolhidas (sem excessos) e explicadas.

4) Mostre que você busca entender e fazer entender, o leitor se lembrará de sua boa vontade e honestidade intelectual.

5) O perigo não é falar do que não está no texto do autor, mas, fazer uma má interpretação dele. Ou seja, entender exatamente o contrário do que o autor queria dizer. Em caso de dúvidas, leia o texto mais vezes e com atenção.

Felix qui potuit rerum cognoscere causas[1]
[1] Geórgicas, Virgílio, I, verso 489: “Feliz aquele que soube penetrar a razão das coisas”.

Por Thomas Primerano, professor de filosofia, graduado pela Sorbonne, membro da Association de la Cause Freudienne de Strasbourg, membro da Société d’Etudes Robespierristes, autor de “Reeducate the people after terror” publicado pelo BOD.

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