Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens (Rousseau)

Resumo e Análise do Discurso

Este discurso, ao contrário de outros ensaios de Rousseau (ex: O Contrato Social e Emílio) é escrito com uma pena apaixonada, por vezes até impetuosa, tornando a sua leitura muito prazerosa.

Em termos de metodologia, Rousseau traça a aventura da humanidade desde a sua origem (mas fora de qualquer enquadramento religioso), pinta-a no seu estado natural para melhor compreender como a humanidade, decadente segundo ele.

Rousseau distingue dois tipos de desigualdade: natural (ou física) e moral. A desigualdade natural decorre de diferenças de idade, saúde ou outras características físicas, que não pode ser questionada.

Por outro lado, é a desigualdade moral que Rousseau almeja analisar, isto é, aquela estabelecida por uma convenção humana. Rousseau irá, portanto, explorar de onde vem essa convenção. Para conseguir isso, Rousseau recorre a um experimento mental, o estado de natureza, que, portanto, não constitui uma verdade histórica.

Nossa análise segue o plano geral do Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens:

  1. Dedicatória do Discurso
  2. Prefácio ao Discurso
  3. O exórdio
  4. A primeira parte
  5. A segunda parte

A dedicatória descreve o lugar para viver, as condições fundamentais da cidade justa.

O prefácio é metódico. A Academia Dijon colocou que se trata de uma questão de direito político. Rousseau manteve-se “dentro dos limites de uma discussão geral e puramente filosófica, sem personalidade ou aplicações”. A introdução coloca a questão da Academia nesta nova perspectiva.

Podemos conceber dois tipos de desigualdade: a desigualdade natural, cujo nome por si só mostra que é inútil buscar sua origem, e a desigualdade social, instituída pelo homem. É ela cuja fonte deve ser encontrada, fora da história, desde que ela a gerou. Fora da história, isto é, num hipotético estado de natureza, grau zero de progresso, nascimento virtual do qual só o coração de um homem justo pode guardar a memória ou ocultar a quimera.

Primeira parte do Discurso sobre a origem das desigualdades – Resumo

Rousseau descreve o homem em seu estado natural: ele é um ser forte e ágil, mais fraco, porém, mais organizado do que os outros animais em seu ambiente. Seu corpo é sua única ferramenta e sua única arma (Rousseau chega a dizer que o homem civilizado seria facilmente derrotado pelo homem natural em uma luta). Desprovido de senso moral, o homem natural não conhece o bem nem o mal, é um ser “infra-moral” (Rousseau refuta assim o vício atribuído por Hobbes ao homem da natureza). Seu pensamento é composto de operações simples. Ele tem poucas necessidades, e por isso consegue facilmente satisfazê-las. Suas paixões são as da natureza: comida, sexo e descanso são as únicas coisas boas para ele e seus únicos males são a dor e a fome. Não há razão para o homem selvagem deixar de ser selvagem. O selvagem é um ser ingênuo, autossuficiente e pacífico. No entanto, o selvagem sente pena, fonte de empatia, ao contrário do homem civilizado dominado pelo amor-próprio e pelo egoísmo.

O homem natural é assim equilibrado por suas duas tendências, a piedade (que o empurra para os outros) e a autopreservação (que o isola). No estado civil, as leis e as virtudes desempenharão o papel desses dois instintos.

Assim, a desigualdade é quase imperceptível no estado de natureza.

Em muitos pontos o selvagem se assemelha aos animais, exceto em sua capacidade de se aperfeiçoar. Essa perfectibilidade será a fonte de sua saída do estado natural e a causa de seu infortúnio, segundo Rousseau. O homem é antes de tudo um animal. Ele, portanto, estuda o homem em duas formas: seu aspecto físico e depois seu aspecto moral e psicológico.

Rousseau também descreve a evolução da linguagem: grito da natureza a princípio, a linguagem evolui porque suas ideias são mais complexas. Assim, as primeiras palavras utilizadas tinham mais significados do que hoje; a linguagem assim se especializa à medida que se desenvolve. A linguagem, inicialmente prática, aos poucos se torna metafísica e abstrata.

Voltaire vai caricaturar esse mito do bom selvagem, pensando que Rousseau queria fazer a humanidade regredir, o que é falso. O estado de natureza em Rousseau é apenas uma ficção teórica, um artefato intelectual para entender de onde vem o homem. Então, não é um projeto. Rousseau também se desentenderá com Diderot, quando este último negará a possibilidade de um homem de natureza nem bom nem mau.

Segunda parte do Discurso sobre a origem das desigualdades – Resumo

Se a primeira parte do discurso é uma cuidadosa reconstrução do homem natural, a segunda parte é uma exploração das raízes da desigualdade:

O primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, meteu na cabeça dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que crimes, guerras, assassinatos, que misérias e horrores não teriam sido poupados à raça humana que, arrancando as estacas ou tapando o fosso, gritou a seus semelhantes: “Cuidado para não dar ouvidos a esse impostor; você está perdido se esquecer que os frutos são para todos e a terra é para ninguém! Mas é muito provável que as coisas já tivessem chegado ao ponto de não poder mais durar como eram: pois essa ideia de propriedade, dependendo de muitas ideias anteriores que só poderiam ter surgido sucessivamente, não pôde se formar de uma só vez na mente humana: era preciso progredir muito, adquirir muita indústria e conhecimento, transmiti-los e aumentá-los de geração em geração, antes de chegar a este último termo do estado de natureza. […] A metalurgia e a agricultura foram as duas artes cuja invenção produziu esta grande revolução. Para o poeta, é ouro e prata, mas para o filósofo é ferro e trigo que civilizaram os homens e arruinaram a raça humana”.

É, portanto, a propriedade, a usurpação que criou e institucionalizou a desigualdade entre os homens. O trabalho, e a opressão que dela resulta, é consequência da propriedade. A instituição da propriedade é o começo da desigualdade moral, porque se os homens podem “possuir” coisas, então as diferenças de “herança” são irrelevantes para as diferenças físicas. Entretanto, Rousseau não denuncia a propriedade em si (como fará o anarquista Bakunin), ele denuncia as desigualdades originadas pela propriedade.

Rousseau explica as principais fases da evolução tecnológica (metalurgia e agricultura) e sua influência na psicologia humana. O amor conjugal, a cooperação e, em particular, a criação de papéis de gênero (que torna as mulheres submissas aos homens) são fontes de desigualdade.

Nesse estágio, se o homem natural era regido pela necessidade, o homem civilizado vive do lazer, pois a cooperação e a divisão do trabalho liberam seu tempo. As artes estão se desenvolvendo, é claro, mas as relações humanas agora são baseadas no interesse e não mais na piedade.

A propriedade institui classes, conflitos entre ricos e pobres porque o proprietário age como se fosse o dono dos trabalhadores. A solução para este conflito é um contrato, oferecido pelos ricos aos pobres, para formar sociedades políticas. Os pobres estão convencidos de que, aceitando a criação de uma sociedade política serão livres em segurança e preservarão a sua liberdade. Mas, segundo Rousseau, trata-se de sujeição: “O homem nasce livre e por toda parte está acorrentado.” Vemos assim como o Discurso sobre a Origem das Desigualdades anuncia o Contrato Social.

Conclusão de Rousseau

Rousseau traça um retrato muito severo da modernidade. Seu pessimismo histórico (história significa decadência) se mistura ao otimismo antropológico (o homem é naturalmente bom). A desigualdade vem da propriedade, mas, o crescimento da desigualdade se deve aos posteriores desenvolvimentos da própria mente humana.

 

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