Immanuel Kant, um filósofo alemão, fez a si mesmo três perguntas, às quais toda a sua filosofia tentou responder:
– O que posso saber? (pergunta que ele responde na Crítica da Razão Pura)
– O que devo fazer? (ao que responde na Crítica da Razão Prática e na Metafísica dos Costumes)
– O que posso esperar? (ao que responde em várias obras, nomeadamente Religião nos limites simples da religião)
Índice
1) Uma crítica da razão
2) Kant e a moralidade do dever
3) Kant e a religião: a tese da esperança e o reino dos fins
4) Kant e a filosofia estética
1) Uma crítica da razão:
O que posso saber? Para responder a essa pergunta, Kant realiza um exame crítico da razão, determinando o que ela pode fazer e o que ela não pode fazer.
A razão, em sentido amplo, designa, em Kant, tudo o que, no pensamento, é a priori e não advém da experiência.
– É teórica (razão pura) ou especulativa quando se trata de conhecimento.
– É prática (razão prática) quando é considerada como contendo a regra da moralidade (essa Razão, em sentido amplo, distingue-se, em Kant, da Razão, no sentido estrito do termo, como uma faculdade humana que visa uma unidade mais elevada).
Kant, aqui opera uma crítica da razão especulativa: não se trata de uma crítica cética, mas de um exame sobre o uso, a extensão e os limites da razão.
Praticando essa abordagem, Kant observa que a matemática e a física entraram no caminho seguro da ciência no dia em que deixaram de ser empíricas para reconhecer a primazia da demonstração racional.
– A metafísica deve inspirar-se neste método fértil.
– Aqui ocorre a famosa noção de revolução copernicana: assim como Copérnico supunha que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário, Kant admite que é a nossa faculdade de conhecer que organiza o conhecimento, e não os objetos que o determinam.
Espaço, tempo e categorias
Isso significa que só podemos apreender o mundo por meio de elementos a priori.
– Este termo “a priori” designa, aqui, o que independe da experiência.
– Assim, o espaço e o tempo são anteriores à experiência: são formas a priori da sensibilidade, ou seja, estruturas intuitivas que partem do sujeito e permitem ordenar os objetos fora de nós e em nós.
Mas isso não é tudo e, em um segundo nível de organização, desta vez conceitual, os objetos devem ser pensados, organizados intelectualmente pelo entendimento, faculdade que liga as sensações graças a categorias, ou conceitos puros, instrumentos que permitem unificar o sensível:
– Unidade, Pluralidade, Totalidade (categorias de quantidade)
– Realidade, Negação, Limitação (categorias de qualidade)
– Substância e acidente, Causa e dependência, Comunidade (categorias de relacionamento)
– Possibilidade, Impossibilidade, Existência, Inexistência, Necessidade, Contingência (categorias de modalidade.
Um ponto de vista transcendente
Esta análise é feita de um ponto de vista transcendental: incide não sobre os objetos em si, mas sobre o modo de conhecê-los e apreendê-los, sobre os elementos a priori e sobre os conceitos que constituem a experiência.
O tempo, o espaço e as categorias dizem respeito, de fato, às condições a priori do conhecimento e ao modo de apreensão dos objetos. Sem eles, nenhum conhecimento seria possível.
Distingamos aqui a estética transcendental, que designa, em Kant, o estudo das formas a priori da sensibilidade que são o espaço e o tempo, e a lógica transcendental, estudo das formas do entendimento, tal como são a priori.
– A própria lógica se divide em uma analítica, que expõe a mesa dos conceitos e princípios puros, e uma dialética.
Fenômenos e Númenos
As consequências dessas análises parecem decisivas: se o único ponto de vista possível é transcendental, se incide sobre as condições a priori do conhecimento, segue-se que as coisas como são em si mesmas, isto é, independentemente do conhecimento que podemos ter dele, não pode ser apreendido.
O que posso, de fato, compreender?
– O que se oferece ao meu campo perceptivo no quadro das formas puras da sensibilidade (espaço e tempo) e no quadro das categorias: o domínio dos fenómenos.
– A noção de fenômeno designa, de fato, para Kant, qualquer objeto possível da experiência, ou seja, o que as coisas são para nós, relativas ao nosso modo de conhecimento, em oposição ao númeno, a coisa em si, que a mente certamente pode pensar, mas não saber.
– Assim Deus é um númeno, uma realidade possível, mas que não podemos alcançar.
Ideias da razão
O homem, longe de se contentar em acessar os fenômenos por meio das categorias do entendimento, elabora as Ideias da razão (tomadas aqui no sentido estrito do termo, como uma faculdade que exige a mais alta unidade).
Essas Ideias da razão são conceitos aos quais não corresponde nenhum objeto dado pelos sentidos, como a Ideia da Alma ou a de Deus.
– Se a Ideia da razão tem um uso regulador e permite unificar nossa experiência, no entanto, ela é incognoscível e não pode ser apreendida intuitivamente.
Kant estuda as Ideias da razão (alma, Deus, liberdade) em uma parte importante da “Crítica da Razão Pura”, parte denominada Dialética Transcendental: designa uma crítica que revela a aparência enganosa das pretensões da razão quando se esforça para sair do campo da experiência para se aproximar da esfera do pensamento puro, acreditando-se erroneamente independente do domínio fenomenal e empírico.
2) Kant e a moralidade do dever:
Devemos agora responder à pergunta: “O que devo fazer?”
– A resposta de Kant aqui é inequívoca: dever é apenas dever.
– O que se entende por este termo, dever?
► Para entender seu significado, vamos primeiro nos voltar para a noção de boa vontade.
► Na “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, Kant realiza, de fato, a análise da consciência moral comum e nota que, de tudo o que se pode conceber neste mundo, não há nada que possa ser considerado, sem restrição, como absolutamente bom, se não uma boa vontade, isto é, uma intenção absolutamente pura, boa sem restrição.
– O que é exatamente e o que significa?
► Uma vontade pura, boa em si mesma, designa uma vontade de fazer o bem, não por inclinação sensível, mas por dever.
A boa vontade remete-nos assim para a ideia de dever, para o imperativo categórico, e não hipotético.
– Um imperativo é hipotético quando o comando enunciado está sujeito a uma hipótese ou a uma condição (ex: se você quer ter sucesso, trabalhe!)
– É categórico quando ordena incondicionalmente, quando vale, por si só, independentemente de qualquer hipótese e de qualquer condição (ex: trabalho!).
– No primeiro caso, a ação é um meio para um resultado. No segundo, a ação é boa em si: tal é o dever.
Qual é a fórmula fundamental do dever?
– Afirma a universalidade da lei.
– Simplesmente afirma uma lei universal, um preceito de caráter obrigatório e imperioso para todos, sem restrições.
► “Aja apenas segundo a máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal”.
► A segunda fórmula do dever refere-se, por sua vez, ao respeito pela Pessoa, pelo ser razoável, fim em si mesmo possuidor de valor absoluto.
► Enquanto as coisas são meios, as pessoas são fins em si mesmas.
► Em seu segundo aspecto, o imperativo prático se define pelo respeito à pessoa, ao sujeito humano, que não deve, em hipótese alguma, ser tratado como um meio.
A vontade que obedece ao dever é, enfim, uma vontade autônoma, encontrando em si a sua lei.
– Tal é, em Kant, o princípio da autonomia da vontade, propriedade que esta tem de dar a si mesma sua legislação.
– Enquanto a heteronomia se refere à obediência a uma lei que não emana da vontade, a autonomia é o fato de obedecer à própria lei.
Podemos agora dar uma definição mais completa e sintética de dever: ele designa a obrigação moral autônoma, a necessidade de realizar uma ação por respeito à lei universal, o imperativo ordenando sem condição: este é o conceito central de dever na filosofia de Kant. Quanto à felicidade, ela não é alcançada, nós nos tornamos dignos dela.
3) Kant e a religião: a tese da esperança e o reino dos fins:
Agora temos que responder à terceira pergunta: “O que posso esperar?” (domínio da religião).
“E esta questão diz respeito à esperança religiosa”.
– Entretanto, Kant enfatiza aqui que Deus, a liberdade e a imortalidade, longe de serem demonstráveis, são postulados, hipóteses exigidas pela razão prática.
– Para Kant, a esperança de uma outra vida após a morte e de um Deus que julga está, de fato, ligada a uma exigência prática. Postulo Deus, a liberdade e a imortalidade: são crenças fundadas racionalmente, colocadas por um ato de fé.
– Preciso desses postulados para agir moralmente.
4) Kant e a filosofia estética:
A primeira crítica de Kant é sobre o conhecimento, a segunda sobre a moralidade, a terceira sobre a estética.
O belo é aqui analisado em sua relação com o sujeito humano.
O que é gosto?
– A capacidade de julgar um objeto ou uma representação por uma satisfação livre de qualquer interesse (“é belo aquilo que agrada universalmente sem conceito”).
– Enquanto o agradável nos encanta, o belo nos afasta de qualquer inclinação empírica.
– A universalidade da beleza permite distinguir fundamentalmente o que agrada aos sentidos na sensação da beleza como tal.
– Kant também distingue o belo do sublime: o belo pode ser apreendido, enquanto o sublime designa o que está além de nós, o que é infinito.
Em todas as áreas, Kant nos remete à autonomia e à liberdade humana. O homem, sujeito do conhecimento, é também um agente moral autônomo e autor de um juízo de gosto desinteressado e universal. Politicamente, o homem deve agir moralmente e tirar os Estados de seu estado permanente de guerra.
O projeto de Kant poderia ser assim resumido: arrancar o homem de sua natureza:
– Sua natureza metafísica: devolveu à razão seus limites, mas ao mesmo tempo enobrece a razão humana.
– Sua natureza moral: arrancar o homem de suas paixões primárias (egoísmo e interesse próprio).
– Sua natureza estética: para libertar os sentidos, o homem deve adquirir a capacidade de julgar a beleza.
– Sua natureza política: tirar os Estados de seu estado de natureza que os levaria ao aniquilamento mútuo para fundar um projeto de paz perpétua.
Obras de Kant:
Crítica da Razão Pura (1ª edição, 1781; 2ª edição, 1787).
Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência (1783).
Fundamentos da metafísica dos costumes (1785).
Crítica da Razão Prática (1788).
Crítica do Juízo (1790).
Antropologia de um ponto de vista pragmático (1798).